quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

NATAL

Fiel das horas mortas
Desta noite comprida,
Pergunto a cada sombra recolhida
Que sol figura o lume
Que da lareira velha me sorri:
O do calor do cristão?
O do calor do pagão?
Ou a fogueira é só a combustão
Da lenha que acendi?
Presépios, solstícios, divindades…
A versátil natureza
Do homem, senhor de tudo!
Cria mitos,
Destrói mitos,
Nega os milagres que fez,
E depois, desesperado,
Procura o mundo sagrado
Nas cinzas da lucidez.

Miguel Torga, 1973
in Antologia do Natal, (2001). p. 72